🇧🇷 Quem teve experiências traumáticas na infância não costuma ter hobbies

Psicólogos dizem que quem teve experiências traumáticas na infância não costuma ter hobbies. Este texto é sobre minha infância e como lidei com as limitações que me eram impostas.

Eu sou Nycka Nunes, nômade digital e cultural, e trabalho como artista visual, fotógrafa fine art e stylist, além de criar conteúdo neste blog e em redes sociais. Sou formada em publicidade.

Eu comecei a trabalhar aos 5 anos. Morei com minha avó materna durante a maior parte da minha infância e adolescência.

Quando eu era bem pequena estudei balé, piano e flauta. Morava em frente ao conservatório de música da minha cidade natal na época. Sou apaixonada por piano desde então, mas embora tenham me matriculado no curso, minha família nunca me incentivou e eu não tinha um piano para praticar. E eu ficava frustrada com a ausência de evolução entre uma aula e outra. Os outros cursos nem lembro de querer. Rejeito flauta até hoje. Hoje sei que narcisistas - e pessoas emocionalmente imaturas - tendem a fazer as coisas pra impressionar os outros. Vai ver foi por isso que me matricularam nesses cursos e em outros. Para impressionar os outros.

Eu também gostava de desenhar e queria aprender a pintar, e não recebi qualquer incentivo para isso. A ponto de eu chegar a desenhar apenas nas sessões de terapia, na infância. Só fui voltar a desenhar no primeiro ano da faculdade de publicidade. E, surpreendentemente para mim, estava desenhando bem. 

Observe que o que era importante para mim, que me gerava satisfação e alegria, não era encorajado. Em alguns casos era proibido mesmo. E isso foi além da arte. Eu lembro de uma vez pedir uma Barbie de presente e minha mãe dizer que eu não era mais criança para brincar de boneca. Eu era uma criança. Passei a brincar com meninos, com os bonecos de He-Man e Thundercats. Passei a jogar futebol. E continuei me permitindo ser criança, mesmo tendo de trabalhar e sendo tratada como adulto por minha mãe e a família dela.

Na loja, me colocavam para organizar os produtos no estoque, escondida dos clientes. Eu achava chato, fazia rápido o que tinha de ser feito e ia para o balcão tentar atender clientes.Vários não aceitavam minha ajuda. Eu era pequena, e tão capaz de atendê-los quanto as vendedoras adultas. Sabia os nomes e preços de tudo, sabia onde cada produto estava, e ainda sabia melhor que as outras o que tinha no estoque porque a maior parte do tempo eu estava no estoque.

Na infância eu encontrava na literatura uma fuga da chatice e do desrespeito que vivenciava no convívio com minha família materna.

Infelizmente, para grande parte da sociedade brasileira em cidades do interior, família é algo acima do bem e do mal. Mesmo já adulta, quando verbalizei críticas aos abusos cometidos por familiares, várias pessoas me criticaram. Também tive muito apoio nas vezes que falei sobre essas experiências ruins nas redes sociais.

As lembranças que tenho do convívio com minha família paterna são todas boas. Depois do divórcio dos meus pais, eu passei a ver meu pai muito menos, mas quando ele estava presente ele estava 100% presente, sempre me apoiando, elogiando. Minha avó paterna conversava muito comigo. Meus tios também me tratavam muito bem, e respeitavam meu comportamento esquisito, de, por exemplo, ficar isolada nas festas de Natal quando tinham pessoas que eu não conhecia. 

Esse convívio positivo com minha família paterna e a literatura que me levava para realidades diferentes da que eu vivia morando com minha avó materna foram essenciais para eu lidar com o autoritarismo da minha avó materna e a crueldade da minha mãe e das minhas tias, que sempre me humilharam, me trataram mal, repetiam inúmeras vezes que eu era feia, burra, inútil, e por melhores que fossem minhas notas na escola ou meu comportamento, nada era bom o suficiente.

Minha autoestima era baixa e foi assim até por volta dos meus trinta anos, por eu dar excessiva importância a ser amada pela minha família materna. Hoje se alguém não gosta de mim, sigo minha vida, consegui uma autonomia emocional muito grande. Quem não valoriza minhas qualidades não merece meu afeto.

Como eu viajava para a fazenda do meu pai nos finais de semana, e lá eu era sempre bem tratada, gosto muito de viajar. Também gosto de praticar atividades físicas individuais (andar de bicicleta, passear com o cachorro, etc). E de ver jogos de futebol, mas geralmente vejo somente os jogos do Palmeiras. Às vezes vejo jogos de alguns times europeus também.

Eu busco alegria e satisfação em tudo que faço, e aprendi a ser intolerante com certas atitudes. Porque satisfação foi algo proibido para mim na quase totalidade da minha infância e adolescência. E eu não quero ter satisfação apenas nos finais de semana. Por isso não limito minha satisfação a hobbies. Não aceito que apenas eles me tragam alegria e relaxamento.

E você, como lida com as experiências ruins que teve na infância?


Nycka Nunes

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