🇧🇷 Autoestima é para quem tem...

Atualmente, algumas empresas estão buscando, em suas campanhas publicitárias, modelos do que chamam de beleza real. O argumento é que a beleza “idealizada” das modelos tem feito as pessoas - geralmente mulheres - recorrerem a dietas malucas e cirurgias que muitas vezes as levam ao óbito.
Eu creio que essa estratégia é demasiado fraca para atingir o objetivo que almeja. Vivi grande parte da minha vida com problemas sérios de auto-estima. Nos anos 90 as revistas eram cheias de fotos de modelos fabulosas e sexy, como Cindy Crawford. Eu tinha uma prima que, muitos diziam, lembrava esta modelo. Eu diria que lembrava mais a Camila Pitanga. De toda forma, era uma moça linda. E as pessoas ao meu redor dividiam-se entre as que me diziam o tempo todo que eu era, não apenas feia, como burra e inútil, e as que não diziam nada. A única exceção era meu pai, que sempre dizia que eu era inteligente. Mas também nunca elogiou outras qualidades minhas. Como aqui estamos falando principalmente da aparência, ser inteligente não valia muito. Ainda mais se pensarmos que o senso comum acha que mulher bonita não é inteligente e vice versa. Eu me sentia tão péssima que não respondia chamada na escola e quando alguém me oferecia e dava carona até em casa eu pedia desculpas pelo incômodo!!! Oi, mas foi a pessoa que se ofereceu, não? Eu me sentia um lixo, por isso, pedia desculpas.
Minha família - parentes que diziam que eu era feia, burra e inútil - me matriculou num curso de modelo quando eu tinha 16 anos. Queriam acabar comigo, não? No curso tinham algumas meninas muito bonitas e alguns alunos faziam piada sobre mim e agiam para me envergonhar em cada aula. O trabalho final era escrever um roteiro para um VT (comercial de TV) em que nós mesmos seríamos os modelos. Eu tive um insight interessante e criei um VT de uma marca de moda chamada Arquitextura, que existia de fato, brincando com a preocupação comum entre pessoas da minha idade com o vestibular e as dúvidas comuns sobre que curso seguir. Fechava dizendo que eu escolhia “Arquitextura”. Até ali, câmera fechada no meu rosto, então abria e mostrava que eu estava pronta para sair (balada!). Não me pergunte de onde uma menina do interior de Minas tirou isso. Eu tinha uma jaqueta cropped da marca, com capuz, sem mangas. Não conhecia mais nada da marca. Nunca vi um anúncio deles. Não tenho a menor idéia do posicionamento da marca. O professor, um fotógrafo do Rio, ficou embasbacado com meu roteiro. Achou que copiei de algum lugar. Aí as minhas dúvidas de carreira se dissiparam e decidi que seria redatora publicitária, pois o texto foi todinho criado por mim. E cá estou. Redatora-chefe do meu próprio blog, com metade do curso de administração, uma graduação em Publicidade e Propaganda e um MBA em marketing, tendo morado em 4 cidades e 3 estados diferentes.
Mas meus problemas de autoestima não acabaram ali. Duraram muito além. Hoje posso dizer que não existem mais.
Acredito que usar modelos com aspecto comum não vai melhorar a auto-estima de ninguém! Além da minha prima linda, eu tinha amigas que não eram bonitas. Para ser bem sincera, as primeiras fotos da Gisele Bündchen que vi na revista Capricho eu achei ridículas, ela ME parecia jeca (se for ver, ela era jeca, não? Eu nasci numa cidade de 300 mil habitantes). E nada disso me fazia sentir-me mais bonita. Não fazia a menor diferença ver uma modelo jeca na revista ou ter amigas feias e sem graça como eu mesma me sentia.
Quase no fim do curso de publicidade conheci o budismo e, muito tempo depois, estudando a fundo a filosofia, percebi que o problema estava dentro de mim, o problema era não ver minha beleza, mesmo atraindo amizades masculinas mais que torrões de açúcar atraem formigas. E, sem dúvida, o problema dessas mulheres que fazem dietas sem noção, que desenvolvem bulimia e outros problemas relacionados a uma percepção negativa da própria aparência ou que buscam cirurgia plástica e outros recursos de mudar a própria aparência é o mesmo. Elas não notam a própria beleza, querem a beleza de outra pessoa. E se as marcas colocarem a imagem delas nas campanhas, muitas vão desmoronar à primeira crítica, porque o medo da rejeição é maior que qualquer sentimento bom que possam ter em relação à oportunidade.
Ninguém pode fazer brotar autoestima no outro. Pode elogiar, encorajar, apoiar, mas se a própria pessoa preferir se apegar ao negativo nada pode ser feito. Autoestima é para quem tem coragem de encarar os próprios traumas, medos, limites e outros inimigos internos.
Se fosse seguir a lógica desses profissionais de marketing que têm uma visão diferente da minha, e eu tenho formação na mesma área, eu não compraria xampu, pois amo meus cabelos bem curtos e toda propaganda de xampu tem modelos com cabelos longos e retos, um tédio. Mas eu costumo usar xampu. E acredito na beleza de quem acredita na própria beleza. Mas tem de acreditar “da boca pra dentro”.
Publicidade é para criar encantamento, é para fazer sonhar, porque só quem sonha realiza, embora nem todo sonhador seja realizador. E alguns “realizam” pelo caminho errado, destruindo a si mesmos ao negar as próprias qualidades.
* Este blog é pouco recomendável a quem tem uma autoestima muito frágil.


Nycka, the nomad.

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